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"O BRONX TÁ HOSTIL"


Parte da cypher “O Bronx tá hostil”. Produção: Santa Rosa Beats.

Gravadoras: Família Bronx e Hostil Records.

Direção: Felipe Seixas e Vulgo Thai.

Rapper: NO Palha.



Em Niterói, no estado do Rio de Janeiro, o bairro Fonseca é popularmente conhecido pelos niteroienses como “Bronx”. Acredita-se que a apropriação do nome do bairro nova-iorquino – que já foi símbolo da degradação urbana dos Estados Unidos – deu-se por características sociais, como a criminalidade. O bairro é uma das regiões mais antigas de Niterói, situado em um vale cortado pelo canal do rio Vicência e circundado por morros e bairros como Caramujo, Cubango, Viçoso Jardim, Engenhoca, Tenente Jardim e o município de São Gonçalo. Segundo a Secretaria de Cultura e Fundação de Artes de Niterói, o bairro possuía vegetação exuberante, com fazendas e chácaras, e sua ocupação ditada pelo crescimento econômico do Estado, pela necessidade de abrir novas vias de comunicação e por sua localização geográfica. E, assim – vistas como mais impactantes – foram construídas a Alameda São Boaventura, a canalização do Rio Vicência e mais tarde a Ponte Rio-Niterói, que juntas coadjuvaram para a obstrução do canal, gerando para o bairro um crônico problema de enchentes, que aliado ao intenso tráfego de veículos contribuíram para o movimento migratório para outros bairros.[1] Por conseguinte, o decorrente processo de degradação – falta de investimento em melhorias urbanas, segurança, educação, moradia – reduziu a qualidade de vida no bairro, e, o Fonseca, ao longo dos anos, tornou-se símbolo de violência e precariedade. Surgindo então uma analogia com o bairro nova-iorquino. Fonseca é o novo “Bronx”.


O hip hop é um movimento de manifestação cultural, política e social, presente em diferentes metrópoles mundiais, que reúne expressões artísticas como a dança, a arte visual materializada no grafite, e o rap como expressão poético-musical. Surgiu no bairro do Bronx, na cidade de Nova York, onde “no final nos anos 70, jovens afro-americanos e caribenhos tiveram participação decisiva em sua constituição.”[2] Conhecido como “o berço do hip hop”, o Bronx foi espaço para esses jovens reformularem as práticas culturais e produzirem “[...]via arte a interpretação das novas condições socioeconômicas postas pela vida urbana.”[3] No Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, rap é “um tipo de música popular urbana, com ritmo muito marcado e melodia geralmente simples, definida também como ‘discurso musicado’, com espaço para a improvisação, e letra bastante complexa, quase sempre ligada à contestação social”[4], revelando um dos pontos abordados pela etnomusicologia: “[...]a relação entre a música e a sociedade que a produz.”[5]


Em 2014 é aprovado um projeto de revitalização do Horto do Fonseca – que previa uma nova área de lazer e cultura – compreendendo, entre outros, o Skate Park Duda Neves e atividades culturais.[6] O Skate Park foi inaugurado em 2016, e o espaço e o esporte, podem ter fomentado mais o desenvolvimento do rap como expressão sócio-político-cultural.


“O Bronx tá hostil” é uma cypher – música gravada com 3 ou mais MC’s, podendo ter megaprodução audiovisual – filmada no Skate Park Duda Neves do Horto Fonseca e realizada em parceria com as gravadoras Família Bronx e Hostil Records, com produção de Santa Rosa Beats. Os rappers NO Palha, Weedson Gel, Tigrão Big Tiger, Vulgo Thai, Doisk e Reynier Rato representam a Hostil Records e a Familia Bronx. Um dos produtores da filmagem – Felipe Seixas – explicou que “a ideia era usar a rebeldia do skate e a hostilidade do Bronx [...] juntamos duas grandes referências da cultura undergrond numa coisa só”[7]. O single “Fonsequistão” é do Grupo Alamídia com participação dos rappers Dois K Bronx e Thai, e produção também da Família Bronx, que é uma analogia ao bairro, o comparando com as guerras no Afeganistão.


Roberto da Matta, antropólogo niteroiense, definiu cultura como – “[...] um mapa , um receituário, um código através do qual as pessoas de um dado grupo pensam, classificam, estudam e modificam o mundo e a si mesmas”[8] – que permite“[...] traduzir melhor a diferença entre nós e os outros e, assim fazendo, resgatar a nossa humanidade no outro e a do outro em nós mesmos.”[9] E esse foi o código que encontrei para falar de arte no meu bairro.


– É a rua ao lado da penitenciária, no final tem uma ladeira, o senhor sobe e ao lado direito tem uma vila de casas. É onde eu moro.

– Não é perigoso?

– Não, é só piscar o farol que o olheiro sabe que é morador.

Era uma vila de casas portuguesas. Família da Dona Margarida. Casas iguais, paredes coladas, cisterna única. Felicidade maior era quando chegava uma pipa d’agua. A subida que a fazia faltar. Diziam. Seu Evaldo era o guardião do portão e da bomba. Dona Marilena, Dona Eva e Dona Margarida vigiavam. Ela que implicava com o barulho dos piques, mais tarde com carinho, só queria conversar. E assim foi. A localização foi definindo os destinos, entre a Vila Ipiranga e Santo Cristo. Detalhes novos a cada ano. A janela que antes ficava aberta depois já não podia, nem cortina. A garagem. O varal ao sol. Uma nova porta nos fundos minha mãe pediu. A anterior se tornou fortaleza. Fechadura. Escada. Chaves. Tranca de madeira. Pois um dia um homem entrou e a vila não era mais aquela. Ser do bronx é saber muitas coisas. Uma delas é identificar o que é tiro. Quando criança, as lembranças foram boas. Na adolescência já não muito. Morador ou não, não importava mais. Vem uma tristeza, pensar que poderia ter tido outro rumo. Pois era bom, era bonito, era acolhedor.

Até que um dia apareceram 32 cápsulas de fuzil. Ali. Onde era pique, bola, conversa e risada. “Ser” do Fonseca te deixa diferente. Mas ainda sorrio quando escuto a frase:

– Ah, você é do Bronx!

Sim, eu sou do Bronx.





REFERÊNCIAS


DA MATTA, Roberto. “Você tem cultura?”. In: Explorações. Ensaios de Sociologia Interpretativa. Rio de Janeiro Rocco, 1986.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário da língua portuguesa. Curitiba. Positivo, 2010.

GOMES, José Carlos da Silva. Arte e Educação: A experiência do Movimento Hip Hop Paulistano. In: “Rap e educação, Rap é educação”. Org. Elaine Nunes de Andrade. São Paulo: Selo Negro Edições, 1999.

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

MARTINS, Rosana. Hip hop, arte e cultura política: expressões culturais e representações da diáspora africana. Revista da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS v. 19, n.2 – Jul./Dez. 2013.

ROCHA, Everardo. O que é Etnocentrismo. São Paulo: Editora Braziliense, 1988.

SEEGER, Anthony.” Por que os índios Suya cantam para as suas irmãs? “ In: Arte e sociedade – ensaios de sociologia da arte”. Org. Gilberto Velho. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 1977.



https://culturaniteroi.com.br/blog/?id=322&equ=ddpfan. Último acesso em: 10 de julho 2019.

http://culturahostil.blogspot.com/2016/12/o-bronx-ta-hostil-familia-bronx-e.html. Último acesso em: 10 de julho 2019.


Cypher “O Bronx tá hostil”: http://culturahostil.blogspot.com/2016/12/o-bronx-ta-hostil-familia-bronx-e.html. Último acesso em: 10 de julho 2019.


Single “Fonsequistão”: http://www.zonasuburbana.com.br/ouca-o-single-fonsequistao-de-alamidia-com-participacao-da-familia-bronx/. Último acesso em: 10 de julho 2019.




[1] https://culturaniteroi.com.br/blog/?id=322&equ=ddpfan. Último acesso em: 10 de julho 2019.


[2] GOMES, José Carlos da Silva. Arte e Educação: A experiência do Movimento Hip Hop Paulistano. In: “Rap e educação, Rap é educação”. Org. Elaine Nunes de Andrade. São Paulo: Selo Negro Edições, 1999. p.26.


[3] Ibid. p.27.


[4] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário da língua portuguesa. Curitiba. Positivo, 2010. p.213.


[5] SEEGER, Anthony.” Por que os índios Suya cantam para as suas irmãs? “ In: Arte e sociedade – ensaios de sociologia da arte”. Org. Gilberto Velho. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 1977. p.39.


[6]http://niteroi.rj.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2298&Itemid=53&hc_location=ufi. Último acesso em: 10 de junho 2019.


[7] http://culturahostil.blogspot.com/2016/12/o-bronx-ta-hostil-familia-bronx-e.html. Último acesso em: 10/07/2019.


[8] DA MATTA, Roberto. “Você tem cultura?”. In: Explorações. Ensaios de Sociologia Interpretativa. Rio de Janeiro Rocco, 1986. p. 122.


[9] DA MATTA, Op. Cit. p.128.












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