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Tradição das imagens - A importância e a permanência da Sociedade Fluminense de Fotografia


Fachada da Sociedade Fluminense de Fotografia/Foto de Antonio Machado

No carnaval de 1944, Jayme Moreira de Luna, um advogado mineiro de 30 anos que morava em Niterói e era fotógrafo amador, fez, despretensiosamente, um retrato de seu pequeno filho Elysio em frente a um dos portais de sua casa. O menino cabisbaixo, vestido de pierrô, inspirou seu pai a intitular sua obra de "Quarta-feira de Cinzas". Não imaginava neste momento que esta foto mudaria a história da fotografia fluminense e brasileira. Gostou tanto dela que então resolveu apresentá-la no salão do Photo Club Brasileiro, onde foi duramente criticada, já que ao fotografar o grande portal de casa, que tinha um pé direito muito alto, teve como resultado linhas convergentes, o que foi considerado um erro grave para os jurados. Jayme pensou em desistir da fotografia, acreditando não ter talento para a arte.

Mas esse sentimento durou apenas até encontrar, na barca de volta para Niterói, o amigo César Salamonde, na época juiz de menores e respeitado fotógrafo laboratorista, que mostrou a Luna como aquele erro facilmente poderia ser corrigido no laboratório, durante a ampliação da fotografia. Assim decidiu criar uma instituição niteroiense voltada exclusivamente para difundir e ensinar a arte fotográfica e sua técnica.

Em 12 de outubro de 1944, Jayme Moreira de Luna fundou a Sociedade Fluminense de Fotografia "no porão habitável de sua solarenga em estilo “art nouveau”, na Avenida Sete de Setembro, em Niterói", que mais tarde teria sua sede transferida para seu local definitivo, à Rua Dr. Celestino, 115, Centro de Niterói em 1949. A sede, de 1955, foi construída especialmente para promover a fotografia, realizar trocas de experiências e permitir estudos e prática fotográfica.

Jayme Moreira de Luna foi o fundador da SFF, que atua desde o movimento fotoclubista até os dias de hoje

A SFF é a segunda mais antiga em atividade no país e a primeira construída para tal fim. Durante o Movimento Fotoclubista, conquistou prêmios e notoriedade mundial ao lado dos mais renomados fotoclubes europeus existentes desde o século XIX. Hoje desdobra-se entre o ensino teórico e prático, o fomento de discussões em torno do interesse da fotografia como arte, a preservação de seu acervo, a manutenção de uma biblioteca especializada e a proposição de eventos que estimulem o interesse pela fotografia.

Em 1945, um ano após ser concebida, a tão criticada fotografia "Quarta-feira de cinzas," estopim da criação da SFF, ironicamente ganhou reconhecimento internacional, após ter sido publicada em um jornal americano com a legenda "Enquanto os grandes guerreiam na Europa, os pequenos brincam o carnaval do Rio de Janeiro," escreve o jornalista Luís Antonio Pimentel, fazendo referência à Segunda Guerra Mundial que acabaria naquele ano. Também em 45, a SFF realizou sua primeira mostra mundial, no antigo Hotel Cassino, atual prédio da reitoria da Universidade Federal Fluminense - UFF. Depois disso, durante o período do Fotoclubismo, foram realizadas mais de 40 Exposições Internacionais.

Já reconhecido, Dr. Luna foi procurado por uma estudante de jornalismo americana que se queixava que não encontrava fotos do Brasil na embaixada americana nem nos consulados brasileiros nos EUA. Dr. Luna, então, sem hesitar, segundo palavras de Luís Antonio Pimentel, “procurou o então chefe da Divisão Cultural do Itamarati, embaixador e escritor Nélson Tabajara de Oliveira, e colocou a Sociedade Fluminense de Fotografia, não só para atender à universitária americana, mas também para difundir o Brasil no exterior, o principal objetivo da agremiação, como reza seu estatuto. E, assim, ele próprio, às suas expensas, fotografou todo o litoral brasileiro e, organizando coleções de cinquenta fotos cada uma, remeteu-as às nossas representações diplomáticas nos principais países do mundo.”

Quarta-feira de cinzas: fotografia de Jayme de Luna que levou à criação da Sociedade Fluminense de Fotografia

Como reconhecimento aos esforços prestados à fotografia, Dr. Luna recebeu o título de Honoraire Excellence FIAP (HonEFIAP), título máximo de Féderation Internationale de L’Arte Photographique, com sede em Berna na Suíça. E isso aconteceu no princípio da década de 50, em ação pessoalmente liderada por seu diretor Dr. Maurice Van de Wijer. Ele estreitou uma forte relação com a Sociedade Fluminense de Fotografia e com Jayme Moreira de Luna. Receber um título honorífico da FIAP era de tal prestígio que muitos diretores de fotografia e grandes nomes do cinema mundial faziam questão de acrescentar na frente de seu nome, seu título da FIAP.

Outra grande contribuição da Sociedade Fluminense de Fotografia e de seu fundador para a difusão da fotografia foi a criação da SFF - Foto Revista, no início da década de 50, publicação oficial da agremiação, coordenada por Luna e escrita por diversos sócios-colaboradores e reconhecidos fotógrafos, tais como o citado Luís Antonio Pimentel, também membro da instituição desde a fundação; Chakib Jabor, Enrique Aznar; Alberto Ceniquel; Stephan Rosenbauer, premiado fotógrafo alemão, radicado no Brasil; Djalma Gaudio; Geraldo Pereira Gomes; Ary Pereira e o próprio Jayme Moreira de Luna, dentre outros grandes nomes da fotografia.

A SFF - Foto Revista se tornou uma importante produção editorial da época, trazia em suas edições imagens e artigos sobre técnica e arte fotográficas e narrativas dos eventos e dos salões internacionais realizados pela SFF. Hoje é fonte de pesquisa da história da fotografia e do fotoclubismo brasileiro e pode ser consultada na Biblioteca Joaquim Antonio Dias de Amorim, na Sociedade Fluminense de Fotografia, ou na biblioteca da Universidade Federal Fluminense, campus Gragoatá. Além das referidas revistas, a biblioteca da SFF possui os catálogos das exposições internacionais realizadas e mais de mil títulos de livros sobre fotografia, incluindo exemplares raros do século XIX, sendo uma preciosa fonte de pesquisa para estudantes e historiadores.

Durante o Fotoclubismo, a Sociedade Fluminense de Fotografia chegou a se corresponder com cerca de 80 países ao mesmo tempo. As fotos de seus integrantes eram enviadas via carta e devolvidas com o carimbo das participações, aceitações e premiações nos salões internacionais. Uma mesma fotografia percorria diversos países e salões do mundo todo. Estas fotografias integram o acervo da instituição, que conta com milhares de obras fotográficas, que estão sendo higienizadas e colocadas à disposição para pesquisa, com o apoio da Fundação de Arte de Niterói, através do Projeto Ponto de Cultura Memória e Fotografia Pública, e cooperação técnica do Laboratório de História Oral e Imagem/UFF - LABHOI/UFF e do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro - APERJ. Integram o acervo, fotografias muitos fotógrafos reconhecidos internacionalmente, tais como Stephan Rosenbauer, Décio Brian, Kleber Feleciano Pinto, H. Fellet, Luís Antonio Pimentel, Nair Avellar Nunes, José Reis, Alan Fisher, Chico Nascimento, Geraldo Pereira Gomes, Walter Fialho Bittencout, dentre outros grandes nomes da fotografia.

Desde sua fundação até os dias atuais a SFF é referência no que diz respeito ao ensino e divulgação da arte fotográfica, agora com a direção de Antonio Machado, presidente desde 1995, reeleito em todas as eleições até o momento. Toninho, como gosta de ser chamado, foi responsável por materializar diversos sonhos de Jayme Moreira de Luna e por continuar seus projetos iniciados, como a construção de um dos mais espaçosos e equipados estúdios fotográficos do Rio de Janeiro, construção de um laboratório digital e a manutenção em seus cursos, da prática da fotografia analógica e do laboratório químico preto e branco. O atual presidente fez parte do Fotoclubismo quando jovem e hoje trilha os caminhos da Fotografia Contemporânea e ocupa a primeira cadeira dedicada à Fotografia da Academia Fluminense de Letras, escolhendo como seu patrono (in memoriam) Jayme Moreira de Luna.

Área de exposições da SFF que há décadas tem recebido obras do Brasil e do exterior

A SFF realiza periodicamente exposições individuais e coletivas, de fotógrafos nacionais e internacionais, em suas duas galerias. A primeira leva o nome de seu fundador Jayme Moreira de Luna e a outra homenageia Octávio do Prado, importante colaborador e agitador cultural na época da fundação da instituição.

Em 2012, foi lançado o livro "Fotoclubismo no Brasil – O legado da Sociedade Fluminense de Fotografia”, de autoria de Angela Magalhães e Nadja Fonseca Peregrino e curadoria de Antonio Machado, resultado de uma parceria entre o Senac Nacional e a Sociedade Fluminense de Fotografia, que conta parte da história da fotografia autoral e revela a importância dos clubes de fotografia, para o florescimento da fotografia artística, com destaque à Sociedade Fluminense de Fotografia.

A Sociedade Fluminense de Fotografia promove, até hoje, além dos cursos regulares e workshops de fotografia, diversas atividades gratuitas abertas ao público, contornando todas dificuldades financeiras, revertendo todo seu lucro de sua única receita - os cursos de fotografia - para atividades de difusão da arte fotográfica, como exposições abertas à visitação, visitas guiadas às exposições, projeções de fotografias abertas a todos que quiserem apresentar suas produções, encontros abertos ao público para prática fotográfica dentro de suas dependências e de seu estúdio, passeios orientados, palestras com grandes nomes da fotografia brasileira e internacional, dentre outras atividades sempre voltadas para a fotografia. Atualizada diante das novas tendências, pensamentos e tecnologias, a Sociedade Fluminense de Fotografia possui um Núcleo de Estudos em Fotografia Contemporânea, que visa formar consciências artísticas voltadas à produção de trabalhos alinhados a poéticas e temáticas consideradas relevantes para a atualidade, o qual tem exposto tanto nas galerias da própria instituição quanto em espaços outros e em festivais de fotografia.

REFERÊNCIAS

Documentos históricos da Sociedade Fluminense de Fotografia.

Entrevistas com o presidente Antonio Machado.

PEREGRINO, Nadja Fonseca; MAGALHÃES, Angela. Fotoclubismo no Brasil – O legado da Sociedade Fluminense de Fotografia.” Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2012. Publicado em parceria com a Sociedade Fluminense de Fotografia.

PIMENTEL, Luiz Antonio. Texto de apresentação do site da SFF, disponível em www.sff.com.br.

SFF - Foto Revista. Edições disponíveis na Biblioteca Joaquim Dias de Amorim da Sociedade Fluminense de Fotografia.


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