A proposição de trajetos que são incompatíveis com a cartografia original da cidade é uma abertura para explorar um circuito alternativo, caminhos outros, espaços criados na circunstância do real. A deambulação é capaz de revelar as zonas inconscientes e o suprimido da cidade.[1]
A invenção de novos percursos na malha previsível do território reconstrói a paisagem. Implica novos registros, novas cartografias para dar conta de um espaço em constante mutação. Pensando nisso e em como fazer memória – pergunta propositiva que guia a pesquisa- a cartografia parece dar conta de registrar os percursos da humanidade desde que se tem notícia.
A oficina Caminhadas urbanas: novas cartografias, que aconteceu no sábado (02/06/18) através do Centro Municipal de Artes Hélio Oiticica, surge do recorrente processo de pesquisa para a exposição Linhas Provisórias Exposição Permanente que acontece em setembro, também no Centro.
Pensando dispositivos de registro da memória, faço um levantamento das plantas-baixas, planos de construções futuras e outras documentações referentes à arquitetura do prédio que desde 1996 abriga o Centro Municipal de Artes. A proposta da oficina parte justamente da sobreposição de uma dessas plantas (a que mapeia as instalações elétricas da parte térrea do edifício) ao mapa parcial do centro da cidade do Rio Janeiro – recorte que abriga o perímetro do SAARA, entorno do CMAHO. Os percursos e pontos criados por essa sobreposição desconsideram os limites planejados das ruas e quarteirões, tencionam a rigidez determinante de trajetos, exigindo ao caminhante explorador o engajamento em um jogo de negociações com o espaço.
Com um mapa imagético, sem nomes de ruas ou áreas definidas, a orientação no território se daria por uma noção sensível da espacialidade, reconhecendo na rua a organização da cidade em blocos de quarteirões representados no desenho. Construindo simultaneamente dois traçados intuitivos: o novo trajeto cartográfico registrado no mapa durante a ação e a própria ação registrando no nas ruas lotadas os caminhos escolhidos e a ativação de novos espaços.
Partimos do Centro Hélio Oiticica às 10:30, em dois grupos munidos de mapa e caneta, em direções opostas buscando estratégias e caminhos possíveis para encontrar os pontos demarcados. Durante a caminhada, o grupo que acompanhei procurou seguir mais próximo possível o caminho traçado no mapa, cruzando por dentro de lojas, andando no contra fluxo, adentrando lugares públicos e privados com o intuito único de registrar o espaço que comportava virtualmente o ponto pretendido. Durante a ação pudemos perceber a alteração da percepção de localidade: até as pessoas mais familiarizadas com a área perderam as referências no decorrer da caminhada, tornando as escolhas pautadas majoritariamente nas informações visuais do mapa e nas situações proporcionadas pelo acaso.
Após uma hora de caminhada, em conjunto os dois circuitos abrangeram 15 dos 30 pontos demarcados, criando outras duas sobreposições cartográficas à original. Voltando ao HO, local marcado para o encontro, conversamos sobre os trajetos e peculiaridades das experiências. Debatemos as decisões tomadas pelos grupos e suas motivações, as formas de registro e a construção processual da memória.
A troca foi muito enriquecedora para o momento do processo por desdobrar novas perspectivas acerca das diferentes formas de se colocar e deslocar pelo espaço urbano. Além das novas cartografias há também registros fotográficos, papéis e folhetos coletados de lugares presentes nos trajetos, suscitando conversas sobre dispositivos de memória e a construção de uma memória coletiva.
[1] CARERI, Francesco. Walkscapes p. 29