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Zungu Camerino, filme de Leandro Pimentel

As casas de angu, também chamadas casas de zungu, eram comércios geralmente administrados por negros, onde se vendia uma refeição barata, feita com farinha de milho. Uma gravura de Debret (Negresses cuisinières marchantes d’angou) mostra o comércio do angu na rua, utilizando caldeirões aquecidos em fogueiras. As casas de angu foram espaços oriundos desse comércio de rua. Algumas dessas vendedoras conseguiram se estabelecer em casas que viraram pontos de encontros da população negra: um local abrigado onde podiam se alimentar e trocar conhecimento, jogar capoeira, fazer batuques etc.

Carlos Eugênio do Líbano Soares fez uma importante pesquisa sobre as casas de angu, dando destaque ao caso de um negro proprietário de uma dessas casas que escreveu uma carta ao imperador como último recurso para alguém intervir contra a pressão que sofria para fechar a casa. Tal pesquisa resultou na monografia Zungu, rumor de muitas vozes, primeiro lugar no concurso de monografias “Memória Fluminense”, promovida pelo arquivo público do Estado do Rio de Janeiro.

Os administradores das casa de angu eram frequentemente acusados de promover barulho e incomodar a vizinhança, justificando o cerco que sofriam por parte das autoridades. No estudo de Líbano Soares pode-se perceber as origens das atuais ações da polícia contra a população negra e a falta de respeito às leis e à isonomia na sua aplicação. O pesquisador aponta que o fato das Casas de Angu serem um tipo de comércio cujos proprietários eram negros e de tocarem músicas de uma matriz diferente da européia, influenciaram uma reação contrária. Vale acrescentar que a própria legislação penal do início do século XX coibia as manifestações culturais africanas de uma maneira geral.

Apesar da repressão, havia locais onde a música e a dança de origem africana eram praticados com regularidade, sendo frequentados também por brancos de diferentes classes sociais e autoridades. Essa sobrevivência permitiu toda uma riqueza de misturas entre a música negra e a européia, assim como a continuidade de práticas culturais que se mantêm vivas e pulsantes nos dias de hoje.

A casa do bloco Filhos de Gandhi é um desses locais sobreviventes. Sem apoio do governo, o grupo mantém a sede funcionando dentro das ruínas de um sobrado na rua Camerino. Além dos ensaios do Bloco Filhos de Gandhi, o sobrado abriga oficinas de percursão, festas e outros tipos de manifestação cultural. O video Zungu Camerino tenta estimular a percepção dos vestígios dos acontecimentos que se deram não somente na casa onde está a sede do bloco, mas em toda a região. A presença viva desses acontecimentos nos restos arquitetônicos repete a persistência da memória no corpo das pessoas. No filme, a casa em ruínas é o lugar para onde convergem essas diversas memórias que são ativadas pelos silêncios assim como pelo som do atabaque e do funk.

PS. Para preservar a qualidade de imagem, o filme teve de ser dividido em várias partes. Aproveitem.


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